A Serra do Soajo, situada no coração do Parque Nacional Peneda-Gerês, representa um dos últimos refúgios naturais onde a interação entre o homem e a natureza permanece viva em sua forma mais autêntica. Esta região montanhosa do noroeste de Portugal destaca-se não só pela sua impressionante diversidade paisagística — que inclui florestas densas de carvalhos, pinhais, prados e escarpas rochosas — mas também por abrigar um conjunto notável de espécies selvagens que, ao longo dos séculos, têm coexistido com as práticas tradicionais da população local.
Animais como o lobo-ibérico (_Canis lupus signatus_), o corço (_Capreolus capreolus_), o javali (_Sus scrofa_), diversas aves de rapina, pequenos mamíferos e répteis compõem uma comunidade rica, cuja dinâmica é fundamental para o equilíbrio ecológico da região.
O lobo-ibérico, uma subespécie endêmica da Península Ibérica, é um dos símbolo da Serra do Soajo. Este predador, figura central na regulação das populações de herbívoros, exerce uma influência ecológica conhecida como efeito cascata, que impacta positivamente a diversidade da flora e fauna locais.A sua presença tem sido objeto de estudos que ressaltam não apenas o seu papel ecológico, mas também o conflito histórico com as atividades de pastoricia tradicionais da região, que, entretanto, coevoluíram em paralelo.
O corço, cervídeo ágil e discreto, habita os bosques e áreas de mato, desempenhando papel importante no controle da regeneração da vegetação, enquanto o javali, embora nativo, tem visto sua população aumentar, muitas vezes resultando em perturbações nos ecossistemas e impacto nas atividades agrícolas e de pastoreio.Do ponto de vista biológico, os animais selvagens da Serra do Soajo exibem adaptações comportamentais e fisiológicas complexas que lhes permitem sobreviver num ambiente que se caracteriza por estações bem definidas, com invernos rigorosos e verões relativamente secos.
Estudos demonstram que o lobo-ibérico é predominantemente crepuscular e noturno, hábitos que minimizam o contato com humanos, reforçando uma estratégia evolutiva para coexistir com a presença humana histórica. O corço, por sua vez, apresenta maior atividade diurna, alimentando-se de brotos, folhas e frutos, o que reflete sua necessidade de explorar o ambiente de forma eficiente e evitar a competição com outras espécies. O comportamento do javali é notoriamente oportunista, explorando diversos nichos alimentares, o que contribui para sua rápida proliferação, porém também para impactos ecológicos negativos.A Serra do Soajo, como parte integrante da vasta e protegida área do Parque Nacional Peneda-Gerês, é um espaço onde a fronteira entre o selvagem e o domesticado se apresenta complexa e permeável, especialmente na presença dos animais semi-selvagens.
Estes animais, que incluem espécies cuja liberdade está condicionada por atividades humanas tradicionais, como o pastoreio extensivo, e outras que vivem em liberdade mas com histórico ou condições de proximidade humana, constituem um elemento fundamental para a dinâmica ecológica, cultural e turística da região. O termo “semi-selvagem” na Serra do Soajo abrange espécies como o gado bovino e equino. Este status híbrido entre o domesticado e o selvagem coloca os animais semi-selvagens numa posição singular para o turismo ecológico e cultural, mas também traz desafios importantes para a gestão da sua interação com a fauna verdadeiramente selvagem, os pastores, visitantes e os ecossistemas locais.A relação histórica entre o homem e os animais na Serra do Soajo é longa e complexa, atravessando várias camadas de conhecimento tradicional, práticas de gestão de recursos naturais e a construção identitária das comunidades locais.
Estes animais representam um elo vivo entre o passado e o presente, testemunhas de uma economia rural centrada na agropecuária extensiva, que moldou a paisagem e a cultura da região. As práticas de pastoreio tradicional, que envolvem o convívio estreito entre humanos, cães de guarda e os rebanhos, criaram um modelo sustentável de uso da terra que sustenta tanto a biodiversidade quanto a subsistência das populações locais.O gado bovino, ovino e caprino, por exemplo, apresentam resistência às condições climáticas adversas e hábitos alimentares que contribuem para a manutenção dos pastos naturais e a prevenção do crescimento excessivo da vegetação arbustiva, atuando como agentes ativos na manutenção de habitats abertos necessários para diversas espécies de fauna e flora. O cavalo Garrano, raça autóctone adaptada a terrenos acidentados, é fundamental para os trabalhos tradicionais, incluindo o pastoreio e o transporte, além de exercer papel cultural na identidade local.
Do ponto de vista turístico, os animais semi-selvagens constituem uma atração singular para quem visita a Serra do Soajo, pois oferecem uma experiência autêntica que combina observação da natureza com o contato com a cultura local.
O turismo de natureza nesta região tem-se expandido na vertente do turismo rural e etnográfico, valorizando não só a beleza natural, mas também os saberes tradicionais relacionados com o maneoo dos animais e as práticas da pastoricia. A interação controlada e respeitosa com os rebanhos e os cães pastores, por exemplo, é frequentemente procurada por visitantes que desejam compreender a dinâmica rural e participar de atividades como o acompanhamento dos pastores durante as rotinas diárias.