No coração do Alto Minho, onde o vento murmura lendas antigas entre fragas e giestas, ergue-se a Serra de Soajo, como um velho titã adormecido, coberto por um manto de verde-ardósia e granito.
A Serra de Soajo integra o Parque Nacional da Peneda-Gerês , sendo uma das suas principais formações, estende-se entre os concelhos de Arcos de Valdevez e Melgaço, no distrito de Viana do Castelo, atravessando as Freguesias de Soajo, Gavieira , Cabreiro e Cabana Maior, formando uma barreira natural que separa o Minho do planalto de Castro Laboreiro.
Os seus pontos mais elevados ultrapassam os 1.300 metros de altitude, como a Alto da Pedrada (1.416 m) em Soajo, coroando a serra com vistas panorâmicas que se estendem até à Galiza, às profundezas do vale do Lima e ao Oceano Atlantico.
É uma serra de silêncios profundos e horizontes longos, onde o tempo parece não correr, mas antes ondular suavemente, como o nevoeiro matinal que dança entre os vales. A paisagem é esculpida pela paciência do tempo e pela mão rude dos homens que ali viveram, pastores de alma e de raiz, que deixaram impressa na pedra a sua memória.
Subindo pelas encostas da serra, os olhos cruzam-se com os abrigos dos pastores, que em tempos eram cobertas de colmo , onde se recolhiam os pastores durante as longas vezeiras. São como conchas deixadas pela maré alta do tempo, abrigos precários mas carregados de dignidade, onde a lareira era o centro do mundo e o silêncio, companheiro fiel. Ali se cozinhava broa e caldo, contavam-se histórias ao lume, e o luar entrava sem pedir licença, acariciando rostos curtidos pela geada. Os cortelhos, essas pequenas construções de muros toscos empilhados a seco, como se o mundo fosse feito apenas de pedra e engenho, são testemunhos da convivência ancestral entre o homem e os rebanhos. Nessas estruturas circulares ou ovais, que parecem ninhos de granito, os pastores guardavam o gado à noite, protegendo-o dos lobos e das tempestades que varrem a serra com fúria de velho deus celta. A pastorícia na Serra de Soajo é mais do que um modo de vida – é uma coreografia antiga entre homem, animal e montanha. Os rebanhos de cabras e ovelhas seguiam os ritmos da natureza, guiados por pastores que sabiam ler o céu como se fosse um livro aberto. Com os cajados em punho e o olhar atento, percorriam os velhos caminhos romanos, lajes gastas pela passagem de séculos, como veias de pedra que serpenteiam por entre a vegetação rasteira e os blocos erráticos.
Esses caminhos, herança do tempo em que Roma sonhava com um império sem fim, ainda hoje conduzem viajantes a lugares onde o sagrado e o quotidiano se fundem. Cruzam riachos cristalinos e penedos onde o musgo escreve poemas em verde, levando-nos até aos espigueiros de Soajo, enfileirados como sentinelas de granito. Ali, o milho era guardado com respeito quase cerimonial, protegido por cruzes esculpidas que afastavam o mal e o esquecimento. Geograficamente, a serra integra o **Parque Nacional da Peneda-Gerês**, uma jóia natural que protege este reduto de natureza quase selvagem. É uma terra de transições, onde o Atlântico beija o granito e a Galiza sussurra através dos vales. A altitude varia, oferecendo cumes agrestes e planaltos de pastagem, onde as nuvens tocam o chão e as águias riscam o céu com a precisão de um bordado. As práticas comunitárias, como o uso partilhado dos baldios, são vestígios vivos de um modelo social ancestral, em que o coletivo se sobrepunha ao individual, e a terra era vista como mãe comum. Assim, a Serra de Soajo não é apenas um lugar – é uma memória que respira, um santuário de pedra e silêncio, onde cada curva do caminho guarda um segredo, cada penedo uma história. É um espelho antigo onde se refletem os passos dos que vieram antes de nós, e um convite a caminhar devagar, a escutar os sussurros do vento, e a lembrar que há terras onde o tempo se faz de eternidade.