Na Serra de Soajo, o tempo não se mede pelos ponteiros do relógio, mas pelo som dos chocalhos que ecoam nas encostas, pelo cheiro da terra molhada, e pelo traço invisível que o rebanho deixa na vegetação.

Esta paisagem agreste e bela não foi apenas esculpida pelas forças da natureza — foi, sobretudo, modelada pelas mãos, pelos passos e pelos animais que a percorrem há séculos. No coração desta relação está o pastoreio extensivo, um modo de vida tão antigo quanto a serra, e tão essencial quanto o solo que a sustenta.

A prática do pastoreio extensivo na Serra do Soajo representa uma das mais antigas e emblemáticas formas de interação entre o ser humano e o ambiente natural da Península Ibérica.
Este sistema tradicional, que se caracteriza pela criação de animais em amplas áreas de terreno comunitário, onde os rebanhos se alimentam de pastagens naturais com pouca ou nenhuma suplementação alimentar, mantém-se vivo na região devido à sua importância económica, ecológica e cultural.

Mais do que uma prática agrícola, o pastoreio extensivo é um saber enraizado, uma forma de conhecer e cuidar do território em harmonia com os seus ciclos naturais. O gado — bovino, ovino ou caprino — desloca-se pastoreado e livremente pelos baldios e lameiros, pastando de forma seletiva e regeneradora.

Com isso, mantém abertos os caminhos, evita a acumulação de matéria combustível, promove a biodiversidade e contribui para a saúde dos solos. Este modelo tradicional, baseado na mobilidade e na observação atenta do ambiente, é hoje reconhecido como uma ferramenta ecológica de gestão sustentável da paisagem.

Nada disto seria possível sem os verdadeiros guardiões da serra: os pastores e os seus aliados silenciosos, como os Cães Sabujo da Serra de Soajo. Este cão, rústico, astuto e resiliente, é parte inseparável do pastoreio. Com o seu faro preciso e instinto apurado, guia os rebanhos e protege-os de predadores naturais. Conhece cada pedra do caminho e lê o terreno com a segurança de quem nasceu da própria montanha. O sabujo é, em si, a memória viva da serra — um elo entre o humano e o selvagem.

A Serra do Soajo, oferece um ambiente único para a manutenção dessa prática.

A cada dia, ao ritmo do gado, repete-se um gesto ancestral: subir, observar, confiar no instinto dos animais e na sabedoria herdada. Esta prática molda não só o espaço físico, mas também o imaginário cultural das comunidades serranas.

Os currais, os abrigos em pedra, os trajetos sazonais, os nomes dos lugares — tudo nasce da ligação íntima entre homem, animal e montanha. É este conjunto vivo de relações que constitui o verdadeiro património biocultural da Serra de Soajo.

A paisagem montanhosa, com sua combinação de vales, pastagens, bosques e escarpas rochosas, fornece os recursos necessários para o pastoreio de espécies como o bovinos de raça Cachena, as ovelhas da raça Churras do Minho e Bordaleiras entre o Douro e Minho, as cabras Bravias, e os cavalos Garranos, todas adaptadas ao clima rigoroso e ao relevo acidentado.

O pastoreio extensivo é uma expressão cultural que integra o conhecimento tradicional, a relação comunitária com o território e a manutenção da biodiversidade.

Historicamente, o pastoreio extensivo serviu como principal base da subsistência das populações , modelando a paisagem rural da Serra do Soajo ao longo de séculos. Este sistema permite a coexistência de múltiplas espécies — domésticas e selvagens — e contribui para a preservação de habitats naturais.

Porém, a prática do pastoreio extensivo com cães não está isenta de desafios. O aumento do turismo na Serra do Soajo implica uma maior circulação de pessoas em áreas tradicionalmente utilizadas para pastoreio, o que pode perturbar os rebanhos e os próprios cães. Interferências humanas, como aproximações excessivas dos visitantes, ruídos e a presença de animais domésticos não controlados, podem gerar stress nos cães e rebanhos, afetando o seu comportamento e eficácia na proteção.

Para quem visita este território, o convite não é apenas para ver, mas para sentir. Sentir o vento que guia os rebanhos, escutar as histórias dos pastores, perceber que cada pasto limpo é resultado de um equilíbrio antigo.

A Serra de Soajo não é apenas um lugar — é um organismo vivo, pulsante, onde cada rebanho, cada cão sabujo, cada gesto de pastoreio contribui para manter o equilíbrio. Proteger o pastoreio extensivo é proteger o futuro da serra. E visitar este território com olhos atentos e coração aberto é uma forma de agradecer tudo aquilo que ele silenciosamente oferece.